Na ultima segunda-feira (14/12), assisti à palestra “O
último romântico: YSL, a criação, a melancolia e o amor”, ministrada pelo pesquisador
em Filosofia pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) Brunno Almeida
Maia e o chapeleiro Eduardo Laurino. Que aconteceu na ONG
BibliASPA, localizada
no bairro de Santa Cecília em São Paulo, onde fomos recebidos com degustação de
sanduíche de falafel e música árabe, apresentada por refugiados que estudam
português na organização.
Brunno e Eduardo analisaram a obra e a vida do estilista
franco-argelino Yves Saint Laurent, individualmente e cada um enfatizando sua área
de pesquisa, a filosofia e a moda. Mas, ambos tiveram o discurso de despedida de YSL, do mundo da moda, como ponto de partida para suas reflexões.
Adorei a palestra, aprendi muito sobre este criador, então,
resolvi compartilhar este discurso aqui no blog. YSL convidou a imprensa mundial no dia 7 de janeiro de 2002, para anunciar, em sua maison, seu afastamento. Confira!
"Senhoras e Senhores,
Convidei vocês para virem hoje a esta casa a fim de lhes dar
uma notícia importante, que diz respeito à minha vida pessoal e ao meu
trabalho.
Eu tive a oportunidade de me tornar aos 18 anos assistente
de Christian Dior, de sucedê-lo aos 21 anos e de encontrar o sucesso desde a
minha primeira coleção, em 1958. Em poucos dias, serão já 44 anos desde que
tudo isso começou.
Depois, eu vivi para o meu trabalho e em nome de meu
trabalho.
Eu quero homenagear aqueles que me influenciaram, que me
guiaram na minha atividade e me serviram de referência.
Antes de todos, Christian Dior, o meu mestre e o primeiro
que me levou a descobrir os segredos e os mistérios da alta costura.
Balenciaga, Schiaparelli. Chanel, claro, que me deu tantas coisas e, como se
sabe, liberou as mulheres. O que me permitiu, anos mais tarde, dar a elas o poder
e, de uma certa maneira, liberar a moda.
Ao abrir, em 1966, pela primeira vez no mundo, uma butique
de prêt-à-porter com a marca de um grande costureiro, criando sem me referir à
alta costura, tenho consciência de haver feito progredir a moda de meu tempo e
de haver permitido às mulheres acederem a um universo até então reservado.
Como Chanel, sempre aceitei a cópia e me orgulho muito que
as mulheres de todo o mundo vistam tailleurs-pantalons, smokings, cabans e
trench-coats. Digo a mim mesmo que criei o guarda-roupa da mulher
contemporânea, que participei da transformação de minha época. Eu o fiz com
roupas, o que é certamente menos importante do que a música, a arquitetura, a
pintura e várias outras artes, mas, seja como for, eu o fiz.
Creio que serei perdoado por contar vantagens, mas, desde há
muito tempo, eu acreditei que a moda não era apenas para embelezar as mulheres,
mas também para lhes dar confiança, certeza, permitir que elas se assumissem.
Sempre fui contra os fantasmas de alguns que satisfazem seu
ego através da moda. Ao contrário, eu quis me colocar a serviço das mulheres.
Quer dizer, servi-las. Servir seus corpos, seus gestos, suas atitudes, sua
vida. Quis acompanhá-las no grande movimento de liberação que conheceu o último
século.
Tive a oportunidade de criar em 1962 minha própria maison de
costura. Já faz 40 anos.
Eu quero agradecer àqueles que, desde o início, tiveram
confiança em mim.
Michel de Brunhof, que me conduziu até Christian Dior. Mack
Robinson, que acreditou no meu destino e permitiu que eu abrisse minha maison.
Richard Salomon, a quem eu devo tanto.
Como poderia esquecer os jornalistas, como John Fairchild,
Carmel Snow, Diana Vreeland, Nancy White, Eugenia Sheppard, Edmonde
Charles-Roux, Françoise Giroud?
Mais próximo de mim, quero agradecer a Pierre Bergé, claro, mas
será que vale a pena insistir nisso? Anne-Marie Munoz, Loulou de La Falaise. É
impossível para mim citar todos os Premiers e Premières de ateliê que me
acompanharam desde o início. Contudo, o que eu teria feito sem eles, sem o seu
grande talento, que eu gostaria de saudar? Todos os operários e operárias, cujo
devotamento admirável me ajudaram tanto e aos quais quero exprimir minha
profunda gratidão, como também ao conjunto dos funcionários da minha maison.
Quero agradecer às mulheres que vestiram minhas roupas, as
célebres e as desconhecidas, que me foram fiéis e me deram tanta alegria.
Tenho consciência de ter feito, durante longos anos, o meu
trabalho com rigor e exigência. Sem concessões. Sempre coloquei acima de tudo o
respeito por esse trabalho, que não é de fato uma arte, mas que precisa de um
artista para existir.
Penso que eu não traí o adolescente que mostrou os primeiros
croquis a Christian Dior com uma fé e uma convicção inquebrantáveis. Essa fé e
essa convicção nunca me abandonaram.
Todo homem, para viver, precisa de fantasmas estéticos. Eu
os segui, procurei, persegui. Passei por muitas angústias, às vezes por
infernos. Conheci o medo e a solidão terrível, os falsos amigos que são os
tranquilizantes e os estimulantes. A prisão da depressão e das casas de saúde.
De tudo isso, um dia eu saí maravilhado, mas desiludido. Marcel Proust me
ensinou que “a magnífica e lamentável família dos nervosos é o sal da terra”.
Sem sabê-lo, eu fiz parte dessa família. É a minha. Eu não escolhi essa linha fatal,
contudo é graças a ela que eu me elevei ao céu da criação, que eu me aproximei
dos fabricantes do fogo, dos quais fala Rimbaud, que eu me achei, que eu
compreendi que o encontro mais importante da minha vida deveria ser comigo
mesmo.
Apesar de tudo, eu escolhi dizer adeus, hoje, a esse
trabalho que eu tanto amei.
O próximo desfile, para o qual eu convido os senhores, em 22
de janeiro, no Centro Georges Pompidou, será em grande parte uma retrospectiva
de minha obra.
Muitos de vocês já conhecem os modelos que desfilarão. Eu
tenho a ingenuidade de acreditar que eles podem desafiar os ataques do tempo e
assegurar seu lugar no mundo de hoje. Eles já provaram isso. Outros modelos
desta maison os acompanharão.
Quero agradecer igualmente ao sr. François Pinault e
manifestar a ele a minha gratidão por permitir que eu colocasse harmoniosamente
um ponto final a esta maravilhosa aventura e por ter acreditado, como eu, que a
alta costura desta maison deveria se interromper com minha partida.
Enfim, quero agradecer a vocês, que estão aqui, e àqueles
que não estão, por terem sido fiéis aos encontros que tivemos ao longo de
tantos anos. Por terem me apoiado, compreendido, amado.
Eu não os esquecerei."
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